Andrelândia na Estrada Real
Caminho do Comércio. Um trecho pouco conhecido da Estrada
Real
Cidades como Andrelândia, Bom Jardim, Rio Preto e Madre de
Deus fazem parte da antida rota utilizada por comerciantes e
tropeiros para escoar riquezas do interior de Minas gerais
para o rio de Janeiro.
Marcos Paulo de Souza Miranda
ESTRADA REAL – Nos últimos tempos a chamada
“Estrada Real” tem despertado o interesse dos mais diversos
segmentos da sociedade brasileira, principalmente daqueles
ligados ao comércio e ao turismo. Em Minas Gerais a Lei
13.173/99 criou o programa de incentivo ao desenvolvimento
do potencial turístico da estrada real, que tem como um de
seus objetivos resgatar, preservar e revitalizar os pontos
de atração turística e de lazer já existentes e os ainda não
explorados, interligados pela famosa rota, que já tem sido
comparada à de São Tiago de Compostela, na Espanha.
Mas ainda há muito o que se descobrir sobre a chamada
Estrada Real, que não se trata de um caminho único como a
designação, no singular, sugere. Na verdade, Estrada Real é
um conceito amplo que designava, nos séculos XVII, XVIII e
XIX, as várias estradas públicas administradas pelo Governo
Português. Assim, ela abrange todos os antigos caminhos que
em tempos passados foram percorridos por bandeirantes,
tropeiros, índios, comerciantes e aventureiros nas
capitanias das Minas Gerais, de São Paulo, do Rio de
Janeiro, da Bahia etc. Na região sudeste a Estrada Real
ligava as áreas de produção de ouro (Ouro Preto) e diamantes
(Diamantina) aos portos de Parati e diretamente ao Rio de
Janeiro.
Os dois mais conhecidos caminhos que integram o complexo
emaranhado de vias de comunicação coloniais são os
seguintes: a) o Caminho Velho, que ligava São Paulo e Rio de
Janeiro às minas, passando por Parati, Taubaté,
Guaratinguetá, Baependi, Carrancas e São João del-Rei; b) o
Caminho Novo, concluído em 1725, que passou a substituir o
Caminho Velho como rota de acesso do Rio de Janeiro às minas
de Ouro Preto, passando por Paraíba do Sul, Matias Barbosa,
Juiz de Fora, Barbacena, Conselheiro Lafaiete e Ouro Branco.
Esses caminhos eram fiscalizados e policiados pela Coroa
portuguesa, que neles instalava postos de controle do
tráfego de pessoas, animais, mercadorias e minerais - os
chamados registros -, onde se pagavam taxas devidas ao
Estado e se verificavam documentos dos viajantes.
CAMINHO DO COMÉRCIO – Um outro trecho
importante da Estrada Real, mas ainda pouco pesquisado e
explorado turisticamente, é o que se denominava “Caminho do
Comércio” ou “Caminho do Rio Preto”, uma variante que foi
aberta por volta do ano de 1813 para facilitar o trânsito de
comerciantes e tropeiros entre São João Del Rei e o Rio de
Janeiro. Essa rota, que partia do Caminho Novo em trecho
compreendido entre os atuais municípios de Pati do Alferes –
RJ e Paraíba do Sul – RJ, rumava em direção a Valença-RJ,
depois seguia pelos antigos arraiais mineiros de Rio Preto,
Bom Jardim, Turvo (atual Andrelândia), Madre de Deus, Rio
das Mortes e, finalmente, chegava à Vila de São João
Del-Rei. Tratava-se de uma via bastante movimentada e
importante, sendo que pela mesma passou em 1819 o botânico
francês Auguste de Saint-Hilaire em uma de suas incursões
científicas pelo interior do país, com destino às nascentes
do Rio São Francisco. Saint-Hilaire anotou em seu diário que
a estrada era utilizada sobretudo para a condução de bois e
porcos que eram levados da antiga Comarca do Rio das Mortes
(sediada em São João Del-Rei) para abastecer o Rio de
Janeiro e que tal caminho era muito mais curto do que
qualquer outro. A observação de Saint-Hilaire ajuda
esclarecer a função de alguns curiosos vestígios ainda
existentes na região de Andrelândia, onde se podem
visualizar pontos em que a antiga estrada, com alguns metros
de largura, era delimitada lateralmente por profundos e
largos valos paralelos cavados na terra certamente para
facilitar a condução dos animais, que ante os obstáculos
laterais seguiam pelo leito da estrada sem possibilidade de
extravio, o que facilitava em muito os trabalhos dos
tropeiros e tocadores de bois e porcos.
TURISMO – O Caminho do Comércio é, sem
dúvida alguma, uma importantíssima variante da Estrada Real
e ao seu longo existe um número enorme e variado de
atrativos culturais e paisagísticos, além de vários locais
para a prática do chamado Ecoturismo. As belas cachoeiras e
os tanques de criação de trutas da região compreendida entre
Rio Preto e Bom Jardim; a arquitetura colonial, os sítios
arqueológicos, as frutas, os doces, o queijo e a cachaça de
qualidade produzidos na região de Andrelândia; as fazendas e
igrejas centenárias, as serras e as tradições folclóricas da
região de Madre de Deus de Minas são pequenos exemplos do
imenso e pouco conhecido potencial turístico desse caminho,
que ainda precisa ser melhor conhecido e divulgado.
PERSPECTIVAS - Em julho de 2003 uma equipe
do Núcleo de Pesquisas Arqueológicas do Alto Rio Grande, ONG
destinada ao estudo e à preservação do patrimônio cultural e
ambiental da região de Andrelândia, percorreu mais de cem
quilômetros do antigo Caminho do Comércio, descobrindo e
catalogando muitos vestígios de sua existência. Talvez tenha
sido esse o primeiro passo para se resgatar a história e a
importância do caminho, que pode ser, em breve, ao contrário
do que ocorria há dois séculos atrás, uma rota de entrada de
recursos para os municípios que tiverem competência para
explorar, com racionalidade, preocupação preservacionista e
profissionalismo, o promissor ramo do turismo na região.
Além de ser a ligação mais curta entre São João Del-Rei e o
Rio de Janeiro, no Caminho do Comércio as taxas cobradas nos
postos de fiscalização (Registros) eram mais baratas, o que
incentivava o tráfego de tropeiros e comerciantes por tal
via.
Na
lendária Fazenda das Laranjeiras, situada às margens do
antigo Caminho do Comércio, no município de Andrelândia,
ficou hospedado o cientista francês Auguste de
Saint-Hilaire, em fevereiro de 1819
A Serra dos Dois Irmãos era um ponto de referência para os viajantes que trafegavam pelo Caminho do Comércio.